quarta-feira, 27 de outubro de 2010

DESAFIOS DA TELEVISÃO E DO VÍDEO À ESCOLA

Desafios da televisão e do vídeo à escola [ 1]

José Manuel Moran[1]


Introdução

Estamos deslumbrados com o computador e a Internet na escola e vamos deixando de lado a televisão e o vídeo, como se já estivessem ultrapassados, não fossem mais tão importantes ou como se já dominássemos suas linguagens e sua utilização na educação.
A televisão, o cinema e o vídeo - os meios de comunicação audiovisuais - desempenham, indiretamente, um papel educacional relevante. Passam-nos continuamente informações, interpretadas; mostram-nos modelos de comportamento, ensinam-nos linguagens coloquiais e multimídia e privilegiam alguns valores em detrimento de outros.
A informação e a forma de ver o mundo predominantes no Brasil provêm fundamentalmente da televisão. Ela alimenta e atualiza o universo sensorial, afetivo e ético que crianças e jovens – e grande parte dos adultos - levam a para sala de aula. Como a TV o faz de forma mais despretensiosa e sedutora, é muito mais difícil para o educador contrapor uma visão mais crítica, um universo mais abstrato, complexo e na contra-mão da maioria como a escola se propõe a fazer.
A TV fala da vida, do presente, dos problemas afetivos - a fala da escola é muito distante e intelectualizada - e fala de forma impactante e sedutora - a escola, em geral, é mais cansativa. O que tentamos contrapor na sala de aula, de forma desorganizada e monótona, aos modelos consumistas vigentes, a televisão, o cinema, as revistas de variedades e muitas páginas da Internet o desfazem nas horas seguintes. Nós mesmos como educadores e telespectadores sentimos na pele a esquizofrenia das visões contraditórias de mundo e das narrativas (formas de contar) tão diferentes dos meios de comunicação e da escola.
Na procura desesperada pela audiência imediata, fiel e universal, os meios de comunicação hiper-exploram nossas emoções, fantasias, desejos, medos e aperfeiçoam continuamente estratégias e fórmulas de sedução e dependência. Passam com incrível facilidade do real para o imaginário, aproximando-os em fórmulas integradoras, como nas telenovelas e nos reality-shows como o Big-Brother e semelhantes.
Diante desse panorama, os educadores costumamos contrapor a diferença de funções e da missão da televisão e da escola. A TV somente entretém enquanto que a escola educa. Justamente porque a televisão não diz que educa o faz de forma mais competente. Ela domina os códigos de comunicação e os conteúdos significativos para cada grupo: os pesquisa, os aperfeiçoa, os atualiza. Nós educadores fazemos pequenas adaptações, damos um verniz de modernidade nas nossas aulas, mas fundamentalmente continuamos prendendo os alunos pela força e os mantemos confinados em espaços barulhentos, sufocantes, apertados e fazendo atividades pouco atraentes. Quem educa quem a longo prazo?
Como a televisão se comunica
Os meios de comunicação, principalmente a televisão, desenvolvem formas sofisticadas multidimensionais de comunicação sensorial, emocional e racional, superpondo linguagens e mensagens, que facilitam a interação, com o público. A TV fala primeiro do "sentimento" - o que você sentiu", não o que você conheceu; as idéias estão embutidas na roupagem sensorial, intuitiva e afetiva.
A televisão e o vídeo partem do concreto, do visível, do imediato, próximo, que toca todos os sentidos. Mexem com o corpo, com a pele, as sensações e os sentimentos - nos tocam e "tocamos" os outros, estão ao nosso alcance através dos recortes visuais, do close, do som estéreo envolvente.
Isso nos dá pistas para começar na sala de aula pelo sensorial, pelo afetivo, pelo que toca o aluno antes de falar de idéias, de conceitos, de teorias. Partir do concreto para o abstrato, do imediato para o mediato, da ação para a reflexão, da produção para a teorização.
A eficácia de comunicação dos meios eletrônicos, em particular da televisão, se deve também à capacidade de articulação, de superposição e de combinação de linguagens diferentes - imagens, falas, música, escrita -com uma narrativa fluida, uma lógica pouco delimitada, gêneros, conteúdos e limites éticos pouco precisos, o que lhe permite alto grau de entropia, de flexibilidade, de adaptação à concorrência, a novas situações. Num olhar distante tudo parece igual, tudo se repete, tudo se copia; ao olhar mais de perto, por trás da fórmula conhecida, há mil nuances, detalhes que introduzem variantes adaptadoras e diferenciadoras.
A força da linguagem audiovisual está em que consegue dizer muito mais do que captamos, chegar simultaneamente por muitos mais caminhos do que conscientemente percebemos e encontra dentro de nós uma repercussão em imagens básicas, centrais, simbólicas, arquetípicas, com as quais nos identificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma. [2]
Televisão e vídeo combinam a dimensão espacial com a sinestésica, ritmos rápidos e lentos, narrativas de impacto e de relaxamento. Combinam a comunicação sensorial com a audiovisual, a intuição com a lógica, a emoção com a razão. A integração começa pelo sensorial, o emocional e o intuitivo, para atingir posteriormente o racional. Exploram o voyeurismo, e mostram até a exaustão planos, ângulos, replay de determinadas cenas, situações, pessoas, grupos, enquanto ignoram a maior parte do que acontece no cotidiano. Mostram a exceção, o inusitado, o chocante, o horripilante, mas também o terno – um bebê desamparado, por exemplo. Destacam os que detêm atualmente algum poder – político, econômico ou de identificação/projeção: artistas, modelos, ídolos esportivos. Quando o perdem, desaparecem da tela. [3]
A organização da narrativa televisiva, das situações, idéias e valores é muito mais flexível e contraditória do que a da escola. As associações são feitas por semelhança, por contraste, muitas vezes estéticos. As temáticas evoluem de acordo com o momento, a audiência, o impacto.
Os temas são pouco aprofundados, explorando os ângulos emocionais, contraditórios, inesperados. Passam a informação em pequenas doses (de forma compactada), organizadas em forma de mosaico (rápidas sínteses de cada assunto) e com apresentação variada (cada tema dura pouco e é ilustrado).
A televisão estabelece uma conexão aparentemente lógica entre mostrar e demonstrar. Mostrar é igual a demonstrar, a provar, a comprovar. Uma situação isolada converte-se em situação paradigmática, padrão, universal. Ao mesmo tempo, o não mostrar equivale a não existir, a não acontecer. O que não se vê, perde existência. [4]
Estratégias de utilização da TV e do vídeo
Diante dessas linguagens tão sofisticadas a escola pode partir delas, conhecê-las, ter materiais audiovisuais mais próximos da sensibilidade dos alunos. Gravar materiais da TV Escola, alguns dos canais comerciais, doscanais da TV a cabo ou por satélite e planejar estratégias de inserir esses materiais e atividades que sejam dinâmicas, interessantes, mobilizadoras e significativas. [5]
A televisão e a Internet não são somente tecnologias de apoio às aulas, são mídias, meios de comunicação.
Podemos analisá-las, dominar suas linguagens e produzir, divulgar o que fazemos. Podemos incentivar que os alunos filmem, apresentem suas pesquisas em vídeo, em CD ou em páginas WEB - páginas na Internet. E depois analisar as produções dos alunos e a partir delas ampliar a reflexão teórica.
A escola precisa observar o que está acontecendo nos meios de comunicação e mostrá-lo na sala de aula, discutindo-o com os alunos, ajudando-os a que percebam os aspectos positivos e negativos das abordagens sobre cada assunto. Fazer re-leituras de alguns programas em cada área do conhecimento, partindo da visão que os alunos têm, e ajudá-los a avançar de forma suave, sem imposições nem maniqueísmos (bem x mal).

Conclusão

A televisão, o cinema, a Internet e demais tecnologias nos ajudam a realizar o que já fazemos ou que desejamos. Se somos pessoas abertas, nos ajudam a comunicar-nos de forma mais confiante, carinhosa e confiante; se somos fechadas, contribuem para aumentar as formas de controle. Se temos propostas inovadoras, facilitam a mudança.
Educar com novas tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado com profundidade. Temos feito apenas adaptações, pequenas mudanças. Agora, na escola, no trabalho e em casa, podemos aprender continuamente, de forma flexível, reunidos numa sala ou distantes geograficamente, mas conectados através de redes de televisão e da Internet. O presencial se torna mais virtual e a educação a distância se torna mais presencial. Os encontros em um mesmo espaço físico se combinam com os encontros virtuais, a distância, através da Internet e da televisão.
Estamos aprendendo, fazendo. Os modelos de educação tradicional não nos servem mais. Por isso é importante experimentar algo novo em cada semestre. Fazer as experiências possíveis nas nossas condições concretas. Perguntar-nos no começo de cada semestre: “O que estou fazendo de diferente neste curso? O que vou propor e avaliar de forma inovadora?” Assim, pouco a pouco iremos avançando e mudando.
Podemos começar por formas de utilização das novas tecnologias mais simples e ir assumindo atividades mais complexas. Experimentar, avaliar e experimentar novamente é a chave para a inovação e a mudança desejadas e necessárias.
Caminhamos para uma flexibilização forte de cursos, tempos, espaços, gerenciamento, interação, metodologias, tecnologias, avaliação. Isso nos obriga a experimentar pessoal e institucionalmente a integração de tecnologias audiovisuais, telemáticas (Internet) e impressas.
Vivemos uma época de grandes desafios no ensino focado na prendizagem. E vale a pena pesquisar novos caminhos de integração do humano e do tecnológico; do sensorial, emocional, racional e do ético; do presencial e do virtual; de integração da escola, do trabalho e da vida.

Notas:

1] Texto de apoio ao programa Salto para o Futuro da TV Escola no módulo TV na Escola e os Desafios de Hoje. no dia 25/06/2002.
Disponível em:
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[2] Um livro importante para entender as linguagens e formas de utilização do vídeo é o de Joan FERRÉS. Vídeo e Educação. 2a ed., Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
[3] Maiores informações em MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo, Brasiliense, 1988.
[4] Para entender as mudanças da cultura audiovisual, recomendo o livro Os novos modos de compreender de Pierre BABIN e Marie KOULOUMDJIAN. São Paulo, Paulinas, 1989.
[5] No meu artigo O vídeo na sala de aula apresento algumas situações e formas de utilizar o vídeo. Pode ser acessado em www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm
[6] A utilização inovadora da televisão, Internet e outras tecnologias na educação pode ser aprofundada no livro Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica de MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos e BEHRENS, Marilda. 12 ª ed., Campinas, Papirus, 2006.
Fonte: http://www.eca.usp.br/prof/moran/desafio.htm
Acesso:25/8/2008 - 08:32:41

[1] Moran - Especialista em projetos inovadores na educação presencial e a distância - jmmoran@usp.br

AS REDES SOCIAIS


Nos últimos anos, assistimos a um crescimento espantoso das chamadas tecnologias de comunicação. Essas tecnologias tornaram-se mais rápidas, mais populares e mais instrumentalizadas no cotidiano de milhares de pessoas em todo o mundo. Passaram, assim, a fazer parte de um conjunto de práticas sociais que permeia o século XXI, construindo sentidos e modificando comportamentos.
Dois elementos são marcantes nesta mudança estrutural: o primeiro deles é o foco na participação, que principalmente através da Internet, torna-se o carro chefe da popularização dessas tecnologias. O segundo é que essa participação dá-se em uma escala global, nunca antes proporcionada por nenhum meio de comunicação a indivíduos. É nesse âmbito que o foco nas chamadas "redes sociais" retorna à discussão. Nesse contexto, observamos novas práticas sociais que emergem da apropriação desses sistemas, primeiro com a popularização das salas de bate-papo, depois com ferramentas como fóruns, blogs, fotologs e, finalmente, através dos chamados sites de redes sociais.
Foi o surgimento desses sites (a partir de 1997, com o Six Degrees) e sua posterior popularização (a partir de 2002, com o Friendster) que banalizou o uso do termo "rede social" para os grupos formados na Internet. Sites de redes sociais são caracterizados principalmente pela exposição pública da rede de conexões de um indivíduo, que mostra aos demais quem são seus amigos e a quem está conectado; e pela construção de representações das pessoas ali envolvidas. (Esta última, enquanto fator necessário para que a primeira possa emergir.) Assim, as redes sociais na Internet não podem ser confundidas com a ferramenta que as suporta; são, por si, expressões de grupos sociais, de pessoas e instituições que estão permanentemente interconectadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação. São constituídas pelas representações das pessoas (os perfis no Orkut, as páginas pessoais e etc.) e as conexões que existem entre essas representações ("amigos" no Orkut, links em um blog, etc.).
Muito se tem falado a respeito dessas redes. Tanto sobre o seu potencial de colaboração quanto dos elementos egocêntricos que rodam sua publicização. Nos meus próximos artigos, vou desenvolver o que chamarei de alguns "pontos", sistematizações e argumentações obtidas, principalmente, através de pesquisas empíricas, a respeito do fenômeno, onde pretendo mostrar como essas redes podem ser constituídas (e o são, muitas vezes) enquanto espaços de ações relevantes para a sociedade. É com o objetivo de sistematizar alguns conhecimentos sobre redes sociais na Internet que foco esse texto.
Ponto 1: Redes Sociais na Internet são sobre pessoas e não são desconectadas das redes offline
A referência às redes sociais no contexto do ciberespaço pode ser uma novidade. Mas os grupos sociais que surgem nesses sistemas não o são necessariamente. Como o trabalho de muitos pesquisadores tem mostrado (notadamente o trabalho das pesquisadoras americanas Danah Boyd e Nicole Ellison, por exemplo), esses sites tratam de complexificar relações já existentes, mais do que simplesmente proporcionar o surgimento de grupos novos. As pessoas estão utilizando essas ferramentas para reencontrar amigos, auxiliar a manter relações sociais e ampliar suas redes. Aqui, portanto, temos um primeiro ponto: As redes sociais na Internet vão expressar um conjunto de relações já existentes e vão manter um espaço contínuo de conexão para os atores sociais. Dentro dessa perspectiva, essas redes vão se constituir sim em espaços de trocas e interação e é esse o primeiro uso dessas ferramentas: conectar pessoas.
É essa conexão que contém grande parte do apelo dessas ferramentas. Não apenas pelo valor da sociabilidade mas, também, pelo valor do lazer. Assim, são comuns os casos de pessoas que encontram amigos de infância com quem não mantinham contato há anos através do Orkut, ou famílias que se reúnem com parentes desaparecidos, descobertos através dessas ferramentas. Estudos desenvolvidos a respeito do uso do Facebook nos Estados Unidos, por exemplo, demonstraram que muitos um dos principais valores da ferramenta era permitir que os jovens mantivessem contato com suas redes sociais locais quando se mudavam para estudar em outra cidade. Ou seja, a Internet auxiliava na forma de manter as conexões sociais das pessoas, como forma de amplificar o alcance dos contatos.
Assim, as ferramentas de comunicação mediada pelo computador não criam redes sociais desconectadas, distantes do mundo concreto de um determinado indivíduo. Ao contrário, expressam e complexificam as relações sociais já existentes, a partir do momento em que parte dos espaços sociais vai desaparecendo do mundo contemporâneo.
Ponto 2: Redes sociais na Internet são construídas pela apropriação
Outro ponto importante que precisamos levar em conta nessa discussão é que essas redes sociais, como espaços de "expressão do eu", são também construídas através da comunicação. São unicamente as trocas entre os indivíduos que vão estabelecer as conexões que depois serão mantidas pelo sistema. Como espaços sociais, as redes ultrapassam o objetivo da ferramenta. Elas vão além daquilo que foi pensado como possível. Assim, essas tecnologias têm seus significados reconstruídos pelos grupos sociais, que fornecem, através de suas práticas, sentidos diferentes para cada ferramenta.
Ora, as comunidades do Orkut, originalmente criadas como espaço de discussão, passaram a ser utilizadas por muitas pessoas como meros "crachás", demonstrando filiações e gostos e auxiliando na construção de um perfil. Assim, as comunidades foram apropriadas pelos grupos sociais brasileiros e reconstruídas com novos sentidos. O Twitter, outra ferramenta popular, por exemplo, também superou o foco na pergunta "o que você está fazendo" e se tornou um espaço de circulação de informações de todos os tipos, inclusive, noticiosas. Chamo esses usos de apropriação.
Essas apropriações não são determinadas pelas ferramentas e são quase sempre criativas e diferentes para grupos sociais diferentes. Essas apropriações vão construir redes sociais diferentes, conexões diferentes em cada espaço. Isso significa que os sites de redes sociais não são utilizados do mesmo modo. Grupos diferentes criam sentidos diferentes para as ferramentas.
Assim, há ferramentas de nicho, como o MySpace, que tem ganho popularidade por conta do foco na música, que tem sido apropriado por diversas bandas e grupos musicais como ferramenta de divulgação de seu trabalho e contato com fãs. Isso significa, também, que as redes sociais que são expressas nesses sites não são todas iguais. Mais ainda, dentro do mesmo sistema, podemos ter diferentes apropriações. Há, por exemplo, muitos grupos utilizando o Orkut como ferramenta de expressão. Mas também há grupos que se organizam e trocam informações através da ferramenta. Assim, a apropriação não pode ser generalizada ou generalizadora. O sentido é construído na ação das pessoas e em sua interação.
Ponto 3: Redes sociais na Internet são circuladoras de informação
Redes sociais são expressões de grupos na Internet. Não são, como discutimos iguais e servem a valores e interesses diferentes na Rede. Mas elas possuem elementos em comum, como o uso de sites que vão facilitar e complexificar essas conexões, tornando-as quase permanentes. Por conta dessas conexões, as redes sociais na Internet tornam-se caminho de fluxos de informação, que são repassados entre os atores que fazem parte de uma mesma rede e que vão atingindo redes cada vez mais distantes. Redes sociais, portanto, circulam informação dentro dos processos comunicativos que as constituem. Essas informações podem ser de todos os tipos, desde pessoais até notícias com relevância para determinados grupos. O que acontece é que, dentro dessas redes, os atores filtram as informações a que têm acesso, escolhendo repassar aquelas que julgam ter maior relevância.
Em uma recente pesquisa sobre o Twitter, por exemplo, descobrimos que há um grande potencial informativo na ferramenta e que muitos usuários realmente estão empenhados em repassar informações relevantes e de qualidade. Iniciativas informativas semelhantes já foram observadas em blogs e fóruns. A constituição de espaços onde as informações são rapidamente repassadas pode ser positiva como potencialmente informadora. Barack Obama utilizou ostensivamente a capacidade informativa das redes sociais em sua campanha. Utilizando boa parte dessas ferramentas como espaço de contato com seus eleitores, Obama divulgou idéias, comícios e jingles, protagonizando aquela que foi chamada "a primeira campanha eleitoral 2.0" da História. Mas Obama e sua equipe não construíram a campanha sozinhos. Quem propagou as informações, considerando-as relevante e necessárias foram suas conexões, ou seja, as demais pessoas que faziam parte de sua rede social. Foi o fato da campanha ter compreendido a lógica dessa rede e ter feito, do candidato, parte dela, que possibilitou que fossem tão bem sucedidos no processo.
É, portanto, fato que a mediação que proporciona que as pessoas estejam conectadas faz dessas redes um canal natural para a difusão e o espalhamento de informações consideradas relevantes. Redes sociais na Internet, assim, potencializam a capacidade de fazer com que informações diversas cheguem a indivíduos potencialmente distantes dos fatos.
Ponto 4: Redes sociais na Internet são espaços de conversação
O que faz as redes sociais na Internet estruturas que propagam, filtram e repassam as informações, também faz delas espaços de discussão e conversação. E é como espaço de discussão, ou ainda, de participação, que essas ferramentas estão cada vez mais estabelecidas. É porque as tecnologias proporcionam que as pessoas falem que também permitem que elas mantenham contato, estabeleçam canais alternativos de comunicação e possam discutir fatos que influenciam as suas vidas.
Há alguns anos, percebi a dimensão desse poder quando alguns jovens, indignados com um caso de maus-tratos aos animais no Rio Grande do Sul organizaram, através de um debate acontecido no Orkut, todo um movimento pelos direitos dos animais. Através da mediação da Internet, esse grupo construiu espaços de discussão, blogs e listas, organizou eventos, palestras e passeatas e conseguiu que muitas pessoas apoiassem sua causa e ampliassem a discussão para outras plataformas. Assim, matérias sobre o grupo saíram em vários jornais e programas de televisão, trazendo e trazendo o debate também para outras partes da sociedade.
Ponto 5: Redes sociais na Internet são potenciais espaços de mobilização
Se as redes sociais, por conta das conexões, proporcionaram formas de difusão de informações muito maiores, repartindo o poder antes característico dos meios de comunicação de massa entre os diversos atores, é também verdade que ampliaram o potencial da colaboração. Dissemos, no início deste artigo, que essas redes são constituídas de atores que vão conectando-se entre si. Essas conexões podem ser estabelecidas também por interesses comuns. Assim, como essas redes proporcionam que outras pessoas sejam contactadas e que interesses comuns sejam divididos, é apenas natural que proporcionem, também, mobiliazação social.
Várias dessas ações, nascidas prioritariamente nesses espaços já tiveram repercussão na mídia e em espaços nacionais e internacionais. As redes sociais, como espaços de discussão e de circulação de informações, proporcionam que idéias surjam, sejam debatidas e construam um potencial de ação para os atores sociais. Os exemplos estão por todos os lados: Recentemente, a Assembléia Legislativa de São Paulo foi palco de um grande protesto contra a proposta de lei do Senador Azeredo (substitutivo ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003), organizado e difundido como Movimento "Mega Não" principalmente através das redes sociais na Internet. O ato, que contou com a participação de políticos, ONGs e internautas passou também a ser espalhado pelos estados brasileiros.
Nas redes sociais na Internet, portanto, está um potencial mobilizador decorrente da possibilidade de encontrar pessoas com interesses comuns e pensamentos semelhantes. Um potencial gerado a partir da construção de um novo espaço de debate e de canais alternativos de comunicação e informação.

[1] Raquel Recuero é doutora em Comunicação, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pelotas e do CNPq e consultora em mídias sociais. Mantém o blog Social Media.

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E OS DIFERENTES LETRAMENTO

As Tecnologias Digitais e os Diferentes Letramentos

José Armando Valente - Revista Pátio - Ano XI - Nº 44

A escola deve incorporar cada vez mais o uso das tecnologias digitais para que os alunos e os educadores possam aprender a ler, escrever e expressar-se por meio delas O conceito de letramento foi introduzido por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como a lingüística (Kleiman, 1995) e a educação (Soares, 1998), e tem sido utilizado para esclarecer diferentes níveis de aquisição da leitura e da escrita. Assim, esses autores fazem uma distinção entre a alfabetização, entendida como a aquisição da tecnologia do ler e do escrever, sem a apropriação da leitura e da escrita.
O sujeito alfabetizado sabe decodificar os sinais gráficos do seu idioma, porém de modo superficial. Ele lê com dificuldade e é capaz de escrever textos simples, como listas de compras e bilhetes. Já o sujeito letrado não só adquiriu a capacidade de ler e escrever, como também é capaz de usar esses conhecimentos em práticas sociais de leitura e escrita.
Embora o termo letramento apresente o prefixo "letra" e tenha sido cunhado no contexto do processo de leitura e escrita, ele tem sido utilizado para designar o processo de aquisição de outros conhecimentos, como, por exemplo, o digital. Por isso, é comum encontrarmos a expressão letramento digital designando o domínio das tecnologias digitais, no sentido de alguém não ser um mero apertador de botões (alfabetizado digital), mas sim ser capaz de usar essas tecnologias em práticas sociais. Neste artigo, o termo letramentos está sendo utilizado para expandir ainda mais o conceito de letramento para além do alfabético e do digital.
A presença das tecnologias digitais em nossa cultura contemporânea cria novas possibilidades de expressão e comunicação. Cada vez mais elas estão fazendo parte do nosso cotidiano e, assim como a tecnologia da escrita, também devem ser adquiridas. Além disso, as tecnologias digitais estão introduzindo novos modos de comunicação, como a criação e o uso de imagens, de som, de animação e a combinação dessas modalidades. Tais facilidades passam a exigir o desenvolvimento de diferentes habilidades, de acordo com as diferentes modalidades utilizadas, criando uma nova área de estudo, relacionada com os diferentes tipos de letramento - digital (uso das tecnologias digitais), visual (uso das imagens), sonoro (uso de sons), informacional (busca crítica da informação) - ou os múltiplos letramentos, como têm sido tratados na literatura.
Primeiro, a expansão da comunicação e expressão que as tecnologias digitais proporcionam oferece novas alternativas para a leitura e a escrita seqüencial, que é feita usando-se lápis e papel. A questão é se a leitura e a escrita na tela, com o uso de processadores de texto, ou a capacidade de navegar no texto ou em páginas web constituem uma mera extensão ou uma cisão com a leitura e a escrita tradicionais.
Segundo, alguns autores entendem que as facilidades de manipulação de textos e imagens passam a alterar radicalmente a maneira como as linguagens verbal e visual são produzidas, usadas e processadas. A capacidade de uso dessas tecnologias passa a estar intimamente relacionada com determinadas competências que devem ser desenvolvidas pelas pessoas. Santaella (2004) observou que usuários de hipermídia utilizam habilidades distintas daquele que lê um texto impresso, as quais são diferentes daquelas empregadas quando recebem imagens, como no cinema ou na televisão.
Terceiro, o próprio conceito de letramento alfabético possui diferentes níveis, como letramento "fraco" - habilidades necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social - e letramento "forte" - capacidade de usar a leitura e a escrita como meio de tomar consciência da realidade e de transformá-la, como propôs Paulo Freire. Nesse caso, o sujeito passa a ser autor, e as tecnologias digitais apresentam diversas facilidades que permitem às pessoas serem autoras, produtoras e disseminadoras de conhecimento. É notável o uso do Orkut ou do videoblog como meios para a criação e a disseminação de conhecimento na forma textual, imagética ou animada. Mais recentemente, o second life passou a ser a nova moda, possibilitando que as pessoas possam criar ou desempenhar diferentes papéis em mundos de faz-de-conta, como já acontecia com o teatro ou o cinema tradicional. A diferença agora é que cada um pode ser ator ou produtor desse mundo de faz-de-conta virtual.
O reconhecimento de que as tecnologias digitais exigem novas habilidades - e, portanto, a necessidade de trabalhar os diferentes letramentos - lança novos desafios educacionais no sentido de que alunos e educadores devem ter uma maior familiaridade com os novos recursos digitais: processador de texto, internet, e-mail, bate-papo, lista de discussão, hipertexto, blog, videoblog, Second Life. Isso significa que o processo de ensino-aprendizagem deve incorporar cada vez mais o uso das tecnologias digitais para que os alunos e os educadores possam manipular e aprender a ler, escrever e expressar-se usando essas novas modalidades e meios de comunicação, procurando atingir o nível de letramento "forte".
A integração desses meios no currículo não tem sido uma tarefa fácil. No entanto, como afirma Snyder (2004), a capacidade sedutora, a complexidade de organização, o volume de conteúdo e a velocidade de busca da informação que eles propiciam podem ser decisivos para que os educadores e até mesmo os alunos passem a utilizá-los na realização de suas atividades. Os educadores que adotam uma visão construcionista da utilização das tecnologias digitais têm proposto a criação de ambientes de aprendizagem baseados em uma "mistura de mídias", onde os alunos combinam tecnologias mais sofisticadas e as tradicionais para o design e a criação de novos artefatos (Abrahamson et al., 2005).
Nessa mesma linha construcionista, Martins (2003) também tem integrado diferentes meios para a criação de um espaço escolar alternativo para alunos entre 9 e 11 anos. Esses alunos usaram recursos como computadores, internet, câmeras e vídeo digital, além de materiais tradicionais, para desenvolver atividades nas quais encontraram um sentido em seu cotidiano, expressaram-se sobre os assuntos discutidos na comunidade em geral e no espaço educacional em particular. No entanto, como foi observado por essa pesquisadora, além da diversidade de meios e de materiais para que os alunos possam expressar suas idéias, é necessário que os projetos e as atividades desenvolvidas possibilitem a investigação e o compartilhamento dessas idéias entre os alunos, de modo a permitir que venham à tona seu cotidiano e suas impressões sobre o mundo e que eles saibam expressá-los de maneira adequada e efetiva. Ou seja, para que essas atividades funcionem, é necessário que os projetos desenvolvidos pelo aluno estejam relacionados com a sua realidade e que o professor, além de disponibilizar os diferentes meios tecnológicos, entenda as especificidades desses meios e saiba usá-los como recursos pedagógicos.
A questão da especificidade das novas mídias tem sido estudada por Manovich (2001a). Ele define as novas mídias como sendo objetos culturais que usam a tecnologia de computadores digitais para distribuição e exibição. Assim, internet, websites, computadores multimídia, jogos de computador, CD-ROM, DVD, realidade virtual e efeitos especiais gerados por computador recaem na categoria de novas mídias. Todas elas têm em comum o fato de trabalharem com o dado digital que pode ser manipulado por software (Manovich, 2001b). Esse autor considera o software como o "motor" da revolução da informação e afirma que o software é para a sociedade da informação o que o motor a combustão e a eletricidade foram para a revolução industrial. Contudo, o software tem recebido pouca atenção por parte dos educadores, que estão preocupados com o efeito e não com a causa, com o que aparece na tela e não com o processo que produz os resultados.
A preocupação com o uso de software em atividades educacionais tem sido o foco do trabalho de alguns centros de pesquisa no Brasil, como o Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp, o Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-SP e o Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da UFRGS. Porém, a contribuição de Manovich fornece outros argumentos para nos certificarmos de que cada vez mais devemos estimular os aprendizes para que a interação com essas tecnologias seja realizada por intermédio de softwares que facilitam a explicitação de processos mentais, e não de pacotes herméticos, que acabam fazendo com que a máquina produza um resultado, mas sem permitir a "visualização" do processo mental usado pelo aprendiz.
Como afirma Manovich, o foco tem de estar no software, na descrição de processos mentais, e não somente no produto que a máquina produz. Portanto, é importante que os alunos entendam o software que está por trás da produção dos blogs e do second life. Além disso, mesmo uma simples pesquisa usando-se o Google envolve software na forma de sistemas de busca, banco de dados e organização da informação, de modo que seja possível a produção de resultados eficientes.
Compreender o funcionamento desses recursos e saber utilizar os softwares faz parte dos múltiplos letramentos "fortes".
A preparação de educadores para desempenhar essas novas funções é outro grande desafio da educação. As tecnologias digitais já estão chegando à escola na forma de computadores; em algumas escolas, esses computadores já estão ligados à internet; as escolas já têm TV e outras tecnologias, como câmeras digitais, e muitas delas dispõem de pessoal capacitado para lidar com essas diferentes tecnologias, como os profissionais que foram preparados pelo ProInfo, pela TvEscola, pela Rádio Escola, etc. O problema é que essas tecnologias e esses profissionais não se integram e, por conseguinte, vivem e atuam em mundos diferentes. Em grande parte, essas tecnologias não estão incorporadas às práticas pedagógicas das diferentes disciplinas do currículo, ainda acontecendo como apêndice do que é feito em sala de aula.
A integração das tecnologias e dos respectivos profissionais que atuam em secretarias de Educação deve ser incentivada e fomentada por meio de atividades de formação que procuram trabalhar a integração de tecnologias e os respectivos profissionais. Esse foi o enfoque do curso de aperfeiçoamento Aprendizagem: formas alternativas de atendimento, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-SP para professores e gestores vinculados à Superintendência de Educação a Distância e Continuada, Divisão de Inovações da Secretaria de Estado da Educação de Goiás. Um dos objetivos do curso foi permitir que os participantes dos diferentes programas que atuam nessa secretaria pudessem utilizar as tecnologias digitais na elaboração de projetos e, com isso, pudessem entender tanto a especificidade de cada uma dessas tecnologias quanto o papel que desempenham na representação de idéias. Além disso, o curso procurou integrar os profissionais que atuam nos programas da secretaria de modo que pudessem aprender a desenvolver projetos cooperativos e combinar as diferentes especialidades, criando grupos de trabalho mais preparados para lidar com a complexidade pedagógica das diferentes escolas da rede. Os resultados desse curso estão descritos no livro Formação de educadores a distância e integração de mídias (Valente e Almeida, 2007).
Os letramentos certamente constituirão os novos desafios da educação. As tecnologias digitais estão proporcionando diversas facilidades que, mais cedo ou mais tarde, farão parte do repertório do cidadão da sociedade do conhecimento. É fundamental que esses letramentos sejam trabalhados na escola, ampliando as possibilidades de expressão dos aprendizes e permitindo que a sala de aula torne-se contemporânea dessa sociedade do conhecimento.

REFERÊNCIAS

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Manovich, L. The language of new media. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2001a.
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MARTINS, M.C. Criança e mídia: "diversa-mente" em ação em contextos
educacionais. Tese de Doutorado. Campinas: Instituto de Artes, Unicamp, 2003.
santaella, l. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo:
Paulus, 2004.
SNYDER, L. Literacy in the age of the internet. Conferência ministrada na Unicamp,
2004. Disponível em: . Acesso em: 03/08/2007.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
VALENTE, J.A.; ALMEIDA, M.E.B. (orgs.). Formação de educadores a distância e integração de mídias. São Paulo: Avercamp, 2007.

quarta-feira, 5 de março de 2008

PRECISAMOS DE UMA ÉTICA, MAS QUAL ÉTICA?

A Introdução da Ética na Escola

Marli Pirozelli N. Silva - (Profa. de C. Sociais - FEI - Fac. de Eng. Industrial)

A educação, ao lado da saúde vem sendo apontada como a grande tragédia nacional. Longe de ser uma novidade, este diagnóstico revela uma situação bastante conhecida e remete à necessidade de ações urgentes e eficazes. No centro deste debate encontram-se as propostas governamentais, que tem suscitado inúmeras críticas sobre sua eficácia na solução dos problemas educacionais a curto e longo prazo.

Dentre os projetos de alcance nacional já colocados em prática está a produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, destinados a imprimir uma direção mais uniforme e consistente ao trabalho desenvolvido nas escolas pelos professores de Ensino Fundamental (1a a 8a séries).

A grande novidade trazida pelos PCNs é a introdução dos chamados "temas transversais" que devem permear todo o conteúdo e a vivência escolar. A justificativa oficial para a escolha dos temas apóia-se em três critérios: urgência social (porque afrontam gravemente a dignidade das pessoas e rebaixam sua qualidade de vida), abrangência nacional (sem excluir assuntos importantes no âmbito local) e possibilidade de efetiva aprendizagem no ensino básico.

Situando nesta categoria os temas: "Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Orientação Sexual e Saúde", o projeto governamental expressa e introduz na sociedade não apenas inovações de caráter metodológico, mas uma concepção de educação e particularmente, uma visão sobre o papel da escola no contexto atual do país.

Esta proposta parte da percepção de uma situação social alarmante, que exige uma definição mais ampla das finalidades da escola e portanto, de seus conteúdos. Trata-se de um currículo "aberto", seja pelos temas que introduz, que tomam formas diferentes de acordo com o contexto em que se estabelecem, seja pela própria proposta em si, que prevê a inclusão de novos temas a partir da relação pedagógica e do contexto social. Sem dúvida, estamos diante de uma inovação de alcance nacional sem precedentes, o que por isto mesmo acarreta algumas dificuldades, riscos e questões que necessitam ser melhor examinadas.

Apesar de não ter o caráter de uma disciplina, o tema Ética fará parte do cotidiano escolar e, portanto, gostaríamos de ressaltar algumas questões sobre o conteúdo proposto.

A Escola Cidadã

Parece-nos que a despeito do valor da proposta, a inclusão do tema ética encontra-se diretamente ligado a um apelo político e social e por isto carrega uma expectativa excessiva por parte dos autores e de toda a comunidade escolar.

Acredita-se que o ensino de ética será o grande pilar na reconstrução da sociedade brasileira, ou ao menos terá papel fundamental neste processo.

Retornando aos objetivos sinteticamente expostos na introdução dos PCNs, começamos a identificar o valor que os temas transversais adquirem nesta redefinição do papel da escola " Os temas propostos expressam conceitos e valores fundamentais à democracia e à cidadania e correspondem a questões importantes e urgentes para a sociedade brasileira de hoje, presentes sob várias formas na vida cotidiana. São amplos o bastante para traduzir preocupações de todo o país, são questões em debate na sociedade através das quais, o dissenso, o confronto de opiniões se coloca. O desafio da proposta de " Ética" é levar a escola a esse debate e incentivar que esta incorpore tais temas em sua prática " (Cfr. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ética - Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria do Ensino Fundamental - SEF).

O movimento que deu origem a esta proposta já se delineava há algum tempo na sociedade sob a forma de uma indignação crescente diante de situações de exploração, desigualdade, impunidade e aos poucos foi constituindo-se num clamor nacional pela "ética" em todos os setores da vida social.

A discussão sobre ética, habitualmente confinada aos domínios filosóficos adquiriu uma relevância social sem precedentes. As questões morais tornaram-se objeto de conversas e incorporaram-se ao cotidiano do homem comum, expressando a urgência de uma redefinição nos modelos das relações humanas.

É fácil constatar a desorientação dos educadores, assim como de toda a sociedade diante de acontecimentos que nos colocam em contato com este tema, apesar de todos afirmarem a necessidade de uma "postura ética". Em busca de uma escola que incorpore os anseios sociais e políticos, a eleição do tema "Ética" expressa a intenção de incentivar a construção de uma escola atenta à realidade social, condição essencial para qualquer prática educativa. Além disto, o reconhecimento de que há todo um universo de relações cotidianas no interior da escola, sempre ignorado ou subestimado pelas propostas curriculares, permite concluir que "não se educa para o futuro", traduzindo com nitidez uma postura que educa para a percepção da própria realidade (Cfr. PCN-Ética...).

Qual é então, o papel da escola hoje? Ao tomar consciência de que "as práticas pedagógicas são sociais e políticas" e que "a relação educacional é uma relação política" temos assim definido o objetivo da escola: a formação da cidadania. Este objetivo é ressaltado e vai sendo coerentemente desenvolvido ao longo do projeto, mas já aparece definido em sua Introdução: "O presente documento propõe um trabalho explícito, específico e sistemático de análise de valores, de aprendizagem de conceitos e práticas e de desenvolvimento de atitudes que favoreçam a convivência democrática e a construção da cidadania." (PCN-Ética...).

A cidadania portanto, torna-se o eixo da educação escolar, o referencial dos conhecimentos, das práticas e valores que devem orientar o exercício pleno da participação social. Cria-se a figura da escola-cidadã, que sintetiza em si os objetivos, métodos e conteúdos da educação escolar.

Ética e educação do homem à totalidade


Desta forma, constatamos que o projeto está baseado numa concepção de ética que não se distingue de cidadania. A relação ética-cidadania existente no projeto (ética para a cidadania) tem como premissa uma definição de ética que contempla o homem exclusivamente em sua dimensão sócio-política.

O documento expressa seu entendimento sobre o termo ética da seguinte forma: "A Ética diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas. A pergunta ética por excelência é: como devo agir perante os outros? Verifica-se que tal pergunta é ampla, complexa e que sua resposta implica tomadas de posição valorativas. A questão central das preocupações éticas é a da justiça entendida como inspirada pelos valores de igualdade e eqüidade" (PCN-Ética...)..

Para isso foram eleitos como eixo de trabalho, quatro blocos de conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade, valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição Brasileira.

O texto de referência afirma que ética diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas, mas isto pressupõe a existência de uma direção, um sentido último do agir humano, que é ignorado ou encoberto pela urgência de uma ação social. Se queremos possibilitar a formação de pessoas com autonomia moral e não apenas a serviço de normas estabelecidas pelo Estado, a pergunta ética por excelência desloca-se inicialmente do campo do agir, para o do ser, que qualifica e fornece as razões ao agir humano.

A exigência que tomou conta da imprensa, das conversas nos centros de poder, nos centros de produção cultural, nos locais de trabalho, encobre na verdade a necessidade urgente de um processo educativo que enfatize a reflexão sobre a natureza do homem e forneça critérios capazes de responder às suas necessidades pessoais e sociais. Nosso ponto de partida não se encontra em normas ou preceitos. A concepção de ética, tem como fundamento o ser do homem, a natureza humana. E implica a realização de todo homem sob pena de uma auto-agressão.

A ética portanto, é entendida como "um processo de auto-realização do homem, um processo levado a cabo livre e responsavelmente e que incide sobre o nível mais fundamental, o do ser homem. Quando porém se trata da moral, a ação humana é vista como afetando, não um aspecto particular, mas a totalidade do ser do homem. ela diz respeito ao que se é enquanto homem" (Lauand, L. J. Ética: Questões Fundamentais, p. 7, S. Paulo, DLO-FFLCHUSP, p. 7).

Longe de manter o homem preso aos próprios interesses, acreditamos que esta postura gera uma relação do homem com a sociedade mais dinâmica, verdadeira e eficaz, visto que o agir humano parte do reconhecimento do conjunto de exigências que constituem a natureza humana (desejo da verdade, de justiça, de beleza).

Desta forma, as perguntas sobre o sentido da existência , tais como: "O que é ser homem?", "Qual o sentido da vida?" irrompem novamente na consciência humana de modo inevitável, atravessando a superficialidade da cultura dominante que produz o esquecimento e a noção de que tais perguntas são socialmente irrelevantes e devem ser negadas ou simplesmente ignoradas.

É a partir da busca do sentido, que é característica própria da razão humana, que o homem é capaz de perceber como um valor a prática da cidadania. Não é este o objetivo de toda a educação? Que o homem possa, a partir do reconhecimento daquilo que o constitui dar corpo à novas formas de relacionamento sociais, que muitas vezes surgem de forma imprevista carregando algo novo e que não estão previstas nos nossos projetos de uma sociedade ideal?

A perspectiva de autonomia, que é enfatizada no documento e pressupõe uma dimensão individual, parece-nos correr o risco do fracasso. O documento reconhece um nível ético individual, mas assume claramente como objetivo "instrumentalizar os alunos na compreensão da realidade e na busca de soluções para questões sociais", encobrindo novamente a noção de realização da natureza humana.

Isto significa em termos práticos, que se o homem não tem consciência de quem é, da estatura humana que pode atingir e abre mão da busca do significado de sua vida, a solidariedade dificilmente será capaz de manter-se além de uma ajuda imediata, quando se compreende a impossibilidade humana de soluções definitivas.

Haveria razões que justificam a necessidade de ser um bom cidadão além da tolerância mútua? Isto será suficiente para garantir ao homem a manutenção do desejo que o move em todos os aspectos de sua vida? Como escapar do poder que nos pede apenas uma atitude de "homologação" como dizia Pasolini?

Não ignoramos que os valores retirados da Constituição partem do reconhecimento da dignidade humana e constituem um "núcleo moral" baseado em valores fundamentais como a justiça, igualdade e solidariedade, que ainda precisam ser implementadas no país. Nossa objeção refere-se à necessidade de uma abordagem ontológica, que enfatize o fundamento da ética, a raiz de toda a ação humana.

A sociedade brasileira necessita de ações urgentes e eficazes, mas a condição para reconstituir o tecido de uma sociedade esfacelada pela miséria, violência, impunidade e individualismo é ajudar o homem a fazer a experiência da busca de sentido, do reconhecimento das exigências que o constituem e o impelem à ação. Desta forma teremos a possibilidade de múltiplas experiências sociais, que partem de homens que também são cidadãos.

PARA OS ALUNOS E ALUNAS DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FAP - BLOCO II

Dez sugestões para uma filosofia blogueira

Esta é muito boa!

http://webinsider.uol.com.br/index.php/2007/08/02/dez-sugestoes-para-uma-filosofia-blogueira/
Ensinar os nossos alunos a navegar de forma segura é um tremendo desafio!

Este blog foi uma indicação de uma amiga (Márcia de Moraes Lopes) - do Curso de Formação de Tutores. Muito bom mesmo. Visitem!


http://superdom.blogs.sapo.pt/tag/blog
Formação de Tutores em EAD

Oi turma do Curso de Tutoria - EAD VIRTUAL

Está sendo muito bom participar deste curso e interagir com um grupo tão empenhado em aprender, tendo como Prof. um profissional como o amigo Werciley.
Valeu!!!!!
Lamento terminar amanhã, mas a nossa amizade pode continuar.

Abraço com o calor do Piauí.

Regina

Formação de Tutores em EAD
Tutoria e Docência a Distância
·Curso Interativo
·Todo no Moodle
·http://www.eadvirtual.com.br
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